Tive Sim – Cartola

Nascido Angenor de Oliveira em 1908, no Rio de Janeiro, Cartola emergiu como um dos mais proeminentes compositores e intérpretes do samba brasileiro. Sua jornada de vida, permeada por desafios e triunfos, ecoa através de sua música, uma expressão autêntica das ruas e morros cariocas, da periferia, do subúrbio. Bem longe do Teatro municipal ou da avenida Rio Branco.

Ao longo de sua carreira, Cartola deixou um legado duradouro, influenciando gerações posteriores de músicos e compositores. Tive sim é uma música de seu álbum homônimo de 1974, lançado pela gravadora Discos Marcus Pereira, é um marco na discografia do samba. Com a produção criteriosa de Roberto Quartin, o álbum captura a essência singular do artista e do regional.

Ficha Técnica do Álbum “Cartola” (1974):

  • Artista: Cartola
  • Título: Cartola
  • Ano de Lançamento: 1974
  • Gravadora: Discos Marcus Pereira
  • Produção: Roberto Quartin
  • Duração: 27:43
  • Produção e direção de estúdio: J. C. Botezeli (Pelão)
  • Arranjos e regência: Dino 7 Cordas
  • Técnico de gravação: Paulo Frazão
  • Foto: Alexandre Silva Bauer e Gaia Piovesan Faro
  • Estúdio: R.C.A. Rio de Janeiro
  • Músicos:
    • Horondino Jose da Silva (Dino): Violão de 7 cordas
    • Jayme Thomas Florêncio (Meira): Violão
    • Waldiro Frederico Tramontano (Canhoto): Cavaquinho
    • Raul de Barros: Trombone Nicolino Cópia (Copinha): Flauta
    • Gilberto D’Ávila: Surdo e pandeiro
    • Nilton Delfino Marçal (Marçal): Cuíca e caixa de fósforo
    • Roberto Bastos Pinheiro (Luna): Tamborim e agogô
    • Jorge Jose da Silva (Jorginho): Pandeiro e caxixi
    • Wilson Canegal: Ganzá e reco-reco
    • Joab Lopes Teixeira: Coro
  • Faixas Principais:
  1. Lado A
    • Disfarça e Chora 2:06 (Cartola – Dalmo Castello)
    • Sim 3:38 (Cartola – Oswaldo Martins)
    • Corra e Olhe o Céu 2:23 (Cartola – Dalmo Castello)
    • Acontece 1:17 (Cartola)
    • Tive Sim 2:09 (Cartola)
    • O Sol Nascerá 1:42 (Cartola – Elton Medeiros)
  2. Lado B
    • Alvorada 2:40 (Cartola – Carlos Cachaça – Hermínio B. de Carvalho)
    • Festa da Vinda 1:59 (Cartola – Nuno Veloso)
    • Quem Me Vê Sorrindo 2:07 (Cartola – Carlos Cachaça)
    • Amor Proibido 2:37 (Cartola)
    • Ordenes e Farei 2:21 (Cartola – Aluizio)
    • Alegria 2:44 (Cartola)

O álbum revela a maestria de Cartola como letrista e melodista. Faixas como “O Mundo É um Moinho” e “As Rosas Não Falam” destacam-se como clássicos instantâneos, imortalizando a sensibilidade e a profundidade emocional do artista.

Em “Cartola”, a voz marcante e o estilo único do artista são aprimorados por arranjos cuidadosamente elaborados por Dino (Horondino José da Silva), criando um ambiente sonoro que envolve o ouvinte em uma experiência íntima e afetiva. Cada faixa é uma peça do quebra-cabeça que é a vida e a partilha do sensível de Cartola.

Embora a técnica e a produção desempenhem papéis importantes no sucesso do álbum, é a autenticidade e a emoção crua transmitida por Cartola que verdadeiramente ressoam com o público. Sua música transcende as barreiras do tempo e do espaço, continuando a cativar e inspirar ouvintes em todo o mundo.

Vida e obra

Nascido no bairro do Catete, no Rio de Janeiro, Cartola tinha oito anos quando sua família se mudou para Laranjeiras e 11 quando passou a viver no morro da Mangueira, de onde não mais se afastaria. Desde garoto participou das festas de rua, tocando cavaquinho – que aprendeu com o pai – no rancho Arrepiados (de Laranjeiras) e nos desfiles do Dia de Reis, quando suas irmãs saíam em grupos de “pastorinhas”. Passando por diversas escolas, conseguiu terminar o curso primário, mas aos 15 anos, depois da morte da mãe, deixou a família e a escola, iniciando a vida de boemia.

Após trabalhar em várias tipografias, empregou-se como pedreiro, e dessa época veio seu apelido, pois usava sempre um chapéu para impedir que o cimento sujasse sua cabeça (Cartola). Em 1925, com seu amigo Carlos Cachaça, que seria seu mais constante parceiro, foi um dos fundadores do Bloco dos Arengueiros. Da ampliação e fusão desse bloco com outros existentes no morro, surgiu, em 1928, a segunda escola de samba carioca.

Fundada a 28 de abril de 1928, o G.R.E.S Estação Primeira de Mangueira teve seu nome e as cores verde e rosa escolhidos por ele. Foram também fundadores, entre outros, Saturnino Gonçalves, Marcelino José Claudino, Francisco Ribeiro e Pedro Caymmi. Para o primeiro desfile foi escolhido o samba Chega de Demanda, o primeiro que fez, composto em 1928 e só gravado pelo compositor em 1974, no LP História das escolas de samba: Mangueira, pela Marcus Pereira. Já em 1931, Cartola tornou-se conhecido fora da Mangueira, quando Mário Reis, que subira o morro para comprar uma música, comprou dele os direitos de gravação do samba Que infeliz sorte, que acabou sendo lançado por Francisco Alves, pois não se adaptava à voz de Mário Reis.

Cartola vendeu outros sambas a Francisco Alves, cedendo apenas os direitos sobre a vendagem de discos e conservando a autoria: assim foi com Não faz, amor (com Noel Rosa), Qual foi o mal que eu te fiz? e Divina Dama, todos gravados pela Odeon, os dois primeiros em 1932 e o último em janeiro de 1933. Ainda em 1932, o samba Tenho um novo amor foi gravado por Carmen Miranda. Do mesmo ano é a gravação do samba Na floresta, em parceria com Sílvio Caldas, lançado por este último, e a primeira composição em parceria com Carlos Cachaça, o samba Pudesse meu ideal, com o qual a Mangueira foi campeã do desfile promovido pelo jornal “O Mundo Esportivo”.

Em 1936, a Mangueira teve premiado no desfile seu samba Não quero mais (com Carlos Cachaça e Zé da Zilda), gravado por Araci de Almeida, na Victor, em 1937, e em 1973 por Paulinho da Viola, na Odeon, com o título mudado para Não quero mais amar a ninguém. Em 1940, participou, ao lado de Donga, Pixinguinha, João da Baiana e outros, de gravações de música popular brasileira para o maestro Leopoldo Stokowski (1882 – 1976), que visitava o Brasil. Realizadas a bordo do navio Uruguai, ancorado no pier da Praça Mauá, essas gravações deram origem a dois álbuns de quatro discos de 78 rpm, lançados nos EUA pela gravadora Columbia.

No rádio, atuou como cantor, apresentando músicas suas e de outros compositores. Na Rádio Cruzeiro do Sul, ainda em 1940, criou, com Paulo da Portela, o programa A Voz do Morro, no qual apresentavam sambas inéditos, cujos títulos deviam ser dados pelos ouvintes, sendo premiado o nome escolhido.

Em 1941, formou com Paulo da Portela e Heitor dos Prazeres o Conjunto Carioca, que durante um mês realizou apresentações em São Paulo, em um programa da Rádio Cosmos. A partir dessa época, o sambista desapareceu do ambiente musical. Muitos pensavam até que tivesse morrido e chegaram a compor sambas em sua homenagem. Em 1948, a Mangueira se consagrou campeã com seu samba-enredo Vale do São Francisco (com Carlos Cachaça).

Cartola só foi redescoberto em 1956, quando o cronista Sérgio Porto o encontrou lavando carros em uma garagem de Ipanema e trabalhando à noite como vigia de edifícios. Sérgio levou-o para cantar na Rádio Mayrinck Veiga e, logo depois, Jota Efegê arranjou-lhe um emprego no jornal “Diário Carioca”.

A partir de 1961, já vivendo com Eusébia Silva do Nascimento, a Zica, com quem se casou mais tarde, sua casa tornou-se ponto de encontro de sambistas. Em 1964, resolveu abrir um restaurante, o Zicartola, na Rua da Carioca, que oferecia, além da boa cozinha administrada por Zica, a presença constante de alguns dos melhores representantes do samba de morro. Freqüentado também por jovens compositores da geração pós bossa-nova (alertados para a sua existência desde o show “Opinião”, no qual Nara Leão incluíra o samba O sol nascerá, de Cartola e Elton Medeiros, que mais tarde gravaria), o Zicartola tornou-se moda na época. Durou pouco essa confraternização morro-cidade: o restaurante fechou as portas, reabrindo em 1974 no bairro paulistano de Vila Formosa.

Contínuo do Ministério da Indústria e Comércio, vivendo na casa verde e rosa que construiu no morro da Mangueira, em terreno doado pelo então Estado da Guanabara, somente em 1974, alguns meses antes de completar 66 anos, o compositor gravou seu primeiro LP, Cartola, na etiqueta Marcus Pereira. O disco recebeu vários prêmios. Logo depois, em 1976, veio o segundo LP, também intitulado Cartola, que continha uma de suas mais famosas criações, As rosas não falam, e o seu primeiro show individual, no Teatro da Galeria, no bairro do Catete, acompanhado pelo Conjunto Galo Preto. O show foi um sucesso de público e se estendeu por 4 meses.

Em julho de 1977, a Rede Globo apresentou com enorme sucesso o programa “Brasil Especial” número 19, dedicado exclusivamente a Cartola. Em setembro do mesmo ano, Cartola participou, acompanhado por João Nogueira, do Projeto Pixinguinha, no Rio. O sucesso do espetáculo levou-os a excursionar por São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Ainda em 1977, em outubro, lançou seu terceiro disco-solo: Cartola – Verde que te quero rosa (RCA Victor), com igual sucesso de crítica.

Em 1978, quase aos 70 anos, mudou-se para o bairro de Jacarepaguá, buscando um pouco mais de tranqüilidade, na tentativa de continuar compondo. Neste mesmo ano estreou seu segundo show individual: Acontece, outro sucesso. Em 1979, lançou seu quarto LP: Cartola – 70 anos. Nesta época, descobriu que estava com câncer, doença que causaria sua morte, em 30 de novembro de 1980.
Em 1983, foi lançado, pela Funarte, o livro Cartola, os tempos idos, de Marília T. Barboza da Silva e Arthur Oliveira Filho. Em 1984, a Funarte lançou o LP Cartola, entre amigos. Em 1997, a Editora Globo lançou o CD e o fascículo Cartola, na coleção “MPB Compositores” (n°12).

Pra fechar, “Cartola” de 1974 não apenas consolida o status de Cartola como um dos grandes nomes do samba, mas também serve como um testemunho duradouro de sua contribuição para o panorama musical brasileiro. Um legado que perdura, e segue reafirmando a beleza e da profundidade do samba como uma forma de arte autenticamente suburbana. Já diziam os saudosos MC’s: “É som de preto, de favelado”

Referências

https://www.ebiografia.com/cartola/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Cartola_(compositor)

https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa11957/cartola

  • Cartola e Nelson Cavaquinho. São Paulo, Abril Cultural/Col. História da MPB, 1970.
  • PEREIRA, Arley. Cartola: semente de amor sei que sou, desde nascença. São Paulo, SESC, 2008.
  • SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras (vol. 1: 1901-1957). São Paulo: Editora 34, 1997. (Coleção Ouvido Musical).
  • SILVA, Marília T. Barboza da; OLIVEIRA FILHO, Arthur L. de. Cartola: Os Tempos Idos, Rio de Janeiro: Gryphus, 2003.

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