Pra quem não sabe, além de músico e professor também sou desenvolvedor de sistemas, e desde 2014 venho procurando pesquisar a relação entre tecnologia e ensino, seja de forma mais formalizada ou apenas por diversão. E já que o ChatGPT é algo que está em voga, resolvi pedir pro chat criar uma rotina de estudos de uma hora, focada em violão brasileiro. Bora então debater e analisar essas respostas, será que elas são válidas? Será que a IA vai matar a humanidade ou ajudar a gente a estudar violão melhor? Enfim, essas foram as respostas que ela me entregou:
Entrada: Create a one-hour routine for studying Brazilian guitar
Claro! Aqui está uma rotina de uma hora de estudos para violão brasileiro:
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1.Aquecimento (5 minutos)
Comece com alguns exercícios de alongamento dos dedos para soltar as mãos.
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Toque algumas escalas básicas e arpejos em tons diferentes para aquecer seus dedos.
Beleza, parece algo meio comum sugerir começar com um aquecimento certo? Alguma coisa parecida com o treinamento de um atleta. De qualquer forma, mesmo sem embasamento em relação à questão da anatomia do nosso corpo, me questiono da validade disso. Uma treinadora de basquete minha certa vez nos provocou sobre a efetividade do aquecimento e alongamento, ao passo que a performance em si já poderia ter essa função, seja a performance musical ou a esportiva. A provocação aqui é: o movimento que nos tira da inércia é inevitável, certo? Por que não começá-lo com algo já musical como o repertório, ou uma improvisação?
É claro que talvez não seja legal sair do 0 a 200 por hora no primeiro segundo de estudo. No entanto, hoje não vejo razão para gastar minutos de seu tempo fazendo fórmulas de Carcassi ou Carlevaro apenas por fazer. Claro, essas considerações vão depender do seu objetivo, já que há vários violonismos brasileiros, e nós mesmos passamos por diversos estágios na caminhada.
Em geral, hoje em dia eu não passo por uma etapa específica de aquecimento durante os estudos. Não ao menos com essa intenção como finalidade. Já tentei diversos planos de rotina de estudos diários, e em geral, abandono quase todos. Ao meu ver, estudar música de forma não musical é uma armadilha horrível que só nos ensina a imitar, a ser anti-criativos e nos leva para idolatrias dispensáveis.
Pra mim a improvisação pode ser sempre uma boa opção para aquecer, porque trabalha transversalmente diversos aspectos musicais, e no próprio fazer musical você vai soltando sua musculatura ao sabor do fraseado e da forma como você está se sentindo naquele dia/momento.
2.Ritmo e Groove (10 minutos)
Estude padrões rítmicos brasileiros comuns, como Bossa Nova, Samba ou Baião.
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Pratique dedilhar esses padrões com um metrônomo, aumentando gradualmente o andamento.
Experimente diferentes progressões e variações de acordes enquanto mantém a sensação rítmica.
Esse item é interessante, já que em geral, eu penso em estudar e ensinar sempre em cinco pilares:
- Criação,
- Rítmica,
- Técnica,
- Percepção,
- Harmonia,
- Leitura/Escrita.
Além disso, busco também pensar na música sempre de uma perspectiva social e crítica. Dedicar 10 minutos de um estúdo diário focado essencialmente no rítmo me parece ser bastante importante, especialmente se você está querendo dominar o violão brasileiro. Mesmo assim, os pilares do ensino que falei aqui, ao meu ver devem estar sempre em função do repertório e da escuta.
Mais legal ainda, seria ter a possibilidade de dedicar esse tempinho a tocar literalmente um instrumento percussivo, como o pandeiro ou uma bateria. Tocar instrumentos assim num contexto específico como uma roda de samba ou de choro, seria mais maravilhoso ainda. Mas em dez minutos, você consegue exercitar isso em casa ou batucando em qualquer lugar, cantaraloando ritmos na cabeça, talvez até transcrevendo-os. Depois disso, trazer a vivência ritmica para o violão fica muito mais natural.
3.Voicings – Acordes (15 minutos)
Concentre-se em aprender várias aberturas de acordes brasileiros, incluindo acordes estendidos e alterados.
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Toque progressões de acordes de músicas brasileiras, concentrando-se na transição suave entre diferentes aberturas de acordes.
Pratique exercícios de composição junto com gravações de violonistas brasileiros para desenvolver um bom senso de ritmo e groove.
Mais uma vez, estamos aqui falando de um dos cinco pilares para a forma como busco estudar e ensinar música: A Harmonia. Você sabe né, quando gravo cursos ou dou aulas, aprendo mais do que realmente ensino, e esse é o grande privilégio de ser professor: ganhar para nunca parar de estudar. Esse é o hack da vida. De qualquer forma dedicar quinze minutos de um estudo diário de uma hora exclusivamente para para a harmonia de forma geral, em qualquer região do instrumento me parece uma ótima ideia, especialmente pensando na música brasileira que pode usar muitas inversões de acordes.
De novo: pra mim, é importante que todo o estudo esteja sempre em função do repertório, e isso o ChatGPT não vai conseguir te dizer, porque repertório é o que te afeta, é o que importa pra você, é como a gente constrói nossa vivência musical. Repertório é o que torna a música significativa pra nós.
Se quiser saber mais de harmonia, eu tenho um ebook com um resumo geralzão sobre Harmonia Tonal:
4.Técnicas melódicas (15 minutos)
Estude técnicas melódicas comumente usadas na música brasileira, como melodias de acordes, slides, bends e vibrato.
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Aprenda e pratique o repertório do violão brasileiro, com foco no fraseado melódico e na expressão.
Experimente a improvisação sobre progressões de acordes brasileiras, usando escalas e arpejos relacionados a cada acorde.
Bom, sobre esse item, dá pra ver que não tem muito sentido ao meu ver: bends e vibrato são técnicas muito comuns na guitarra elétrica e coisas muito ligadas o blues e rock and roll, mas talvez pouco com os violonismos brasileiros . E aqui acho que entra uma questão da linguagem: guitar pros americanos são muitas coisas. Procurei botar a entrada do ChatGPT como brazilian guitar, e todas essas respostas, bem como a entrada foram em inglês. Ou seja, a linguagem parece ser ainda uma limitação da IA, especialmente em termos de arte.
De qualquer forma, apareceu a palavra repertório do violão brasileiro aqui, além de improvisação sobre progressões de acordes brasileiras, o que pode ser novamente entendido como a questão das inversões que já mencionei.
Podemos pensar também na sugestão da IA aqui para pensar escala/acorde ao estudar melodia. Uma certa vez, o Conrado Paulino contou em um workshop aqui em Londrina em 2019 sobre duas formas de pensar sobre o acorde para improvisar:
- Paralela: acorde por acorde – transitivamente entre diferentes tons e contextos: Ex.: Dó DÓRIO ou Dó LÍDIO
- Derivada: improvisar sobre o contexto do acorde – uma mesma escala pai
5.Repertório (15 minutos)
Escolha algumas músicas ou composições brasileiras que você gostaria de aprender e passe algum tempo praticando-as.
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Divida as músicas em seções menores, concentrando-se nas passagens difíceis.
Pratique tocá-los lentamente e aumente gradualmente o tempo conforme você se sentir mais confortável.
Finalmente, o repertório veio como um tópico de quinze minutos de estudo na rotina. Ou seja, só no fim da rotina de estudos, o repertório passa a ser o foco. Talvez essa seja a minha crítica maior à sugestão de rotina do ChatGPT. Não só a ele, mas de uma forma geral, à maneira como diversos professores e métodos de conservatórios procuram estruturar seu pensamento: o foco em geral é no conteúdo, não no aluno, ou na vivência musical em si, mas sim no material musical. Por que a gente não pode pensar todos os outros elementos e pilares do estudo musical sendo atravessados pelo repertório, pela escuta, e pela vivência musical sempre?
Agora, dividir as músicas em partes menores que são difíceis eu confesso que considerei uma ótima sugestão. Ela descreveu exatamente o que eu faço, principalmente pra tirar algo de ouvido. Baixo o fonograma, desacelero a música com o Transcriber ou o Music Speed Changer, indentifico os elementos e vou acelerando aos poucos.
6.”Esfriar” e refletir (5 minutos)
Toque alguns acordes ou melodias calmantes para encerrar sua sessão de prática.
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Reserve um momento para refletir sobre o que aprendeu e estabeleça metas para sua próxima sessão de prática.
Uma parte dessa resposta da inteligência artificial para a entrada que eu propûs parece ser bastante vaga, mas outra muito pertinente. Tirar um tempo para relaxar pensar sobre o que acotneceu no seu estudo do dia. Pensar também numa forma de encadear o seu estudo de hoje com o de amanhã me parece uma ideia do caralho, já que a longo prazo, são as rotinas diárias e focadas em um objetivo comum que vão trazer resultados, nesse caso, estudar o violão brasileiro (ainda que violão brasileiro possa significar muitas coisas).
Sobre tocar acordes ou melodias calmantes, parece só uma resposta próxima ao lero lero generator: é vago demais. Eu trocaria essa parte principalmente como um momento de improvisação e criação. É incrível como o foco dos métodos é em criar alunos que repitam o cânone excelentemente, mas que pouco são capazes de ter uma proposta estética própria.
Lembre-se de ajustar a alocação de tempo com base em suas necessidades e preferências pessoais. Praticar de forma consistente e com foco irá ajudá-lo a melhorar suas habilidades no violão brasileiro ao longo do tempo. Divirta-se explorando os ricos sons da música brasileira!
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Conclusão
A ferramenta fecha o texto com um parágrafo genérico, mas que pode ser aproveitado: Se a gente tem mais que uma hora pra aproveitar o estudo, os focos em cada interesse podem ser diferentes. Senti falta aqui também da percepção, um dos pilares que considero fundamentais para aprender música. Mas pra além disso, o que é violão brasileiro? Se a gente pensar em canção, provavelmente pensaríamos em um tipo de estudo mais focado em harmonia e no violão de acompanhamento. Os diferentes parâmetros que levantei como pilares da forma como vejo o estudo da música e do instrumento mudam de acordo com o objetivo que cada aluno tem. Se o aluno partir para um estudo mais focado em peças de violão solo, a proximidade com o violão polifônico é muito maior, e portanto talvez o foco deveria ser também em técnicas para esse tipo de performance, além de leitura.
E você, o que achou das respostas da IA? Pra fechar, que tal jogar suas dúvidas musicais lá na máquina do mal? Pergunte e conte pra gente aqui as respostas e o que achou delas!
Valeuuuuuu
Referências
https://www.jazzguitarlessons.com/derivative-vs-parallel-modes/