Que mano é esse? Heitor Villa-Lobos

Esse mano era compositor pianista violonista violoncelista foi descrito pelo Groove new Dictionary of music como a figura criativa mais importante do século 20 para a música “clássica” do Brasil. E esse mano escreveu muito, para baralho mesmo. Há mais de 2.000 obras até sua morte, obras instrumentais, vocais, obras de câmara obras orquestrais, além disso ele tocava o melhor instrumento do mundo: o violão.
Eu tô falando do Heitor Villa-Lobos. O Villa foi um expoente do Modernismo no Brasil, tentando inventar uma narrativa do que é a música brasileira, com as suas raças com seus folclores. E é verdade que ele teve um flerte com nacionalismo.

Choro n01 – Heitor Villa Lobos

O compositor é uma boa síntese do que veio se tornar a música popular brasileira porque que ele trazia as influências da Europa e as miscigenava à nossa moda. Ele também dispara uma série de outros compositores que vem depois dele, e seus estudos para violão de 1929 foram dedicados à André Segovia, enquanto seus cinco prelúdios de 1940 foram dedicadas à sua esposa Mindinha.

Onde e em que período viveu?

Filho de imigrantes espanhóis, o Villa viveu no Rio de Janeiro no começo do século 20 e assim como hoje a gente incorpora e tenta imitar influências externas, não era muito diferente naquela época. Nós olhamos para o mundo de fora, para cultura de fora e tentarmos fazer algo parecido por aqui.
A gente sabe que o Rio de Janeiro foi a capital do Brasil de 1963 até 1960 e que a coroa veio para o país em 1808, porque eles arregaram para o tio Napoleão, que tava fazendo as suas conquistas pela Europa. O Rio foi, portanto, a primeira cidade do mundo a sediar um império europeu fora da Europa e diversas instituições importantes foram criadas nesse período, como:

  • Academia militar
  • Academia Imperial Belas Artes
  • Biblioteca Nacional

Com a chegada da família real, aconteceu também a abertura dos portos e a consequente onda de vários imigrantes vindo para o Brasil. Tudo isso explica um pouco do porquê o Rio é uma cidade importante culturalmente, já que foi por muito tempo o centro político e cultural também (ainda é).
É impossível descrever para você o que que foi ou o que é o Rio de Janeiro em um vídeo tão curto como esse, mas a cidade já passou por epidemias, revoltas, explosões populacionais, essa própria questão da coroa, a higienização da região central, obrigando os pobres a terem um dress code para andar no meio da cidade e expulsando esses mesmos miseráveis no centro, obrigando essas pessoas a irem morar nas pontas dos morros, em terrenos que ninguém queria ficar porque não eram planos e bons para cultivar ou morar.

“A grande derrubada do Bota abaixo: O Francisco Pereira passa a tomar posse no Rio de Janeiro, o Francisco Rodrigues Alvez como presidente do Brasil, e eles resolvem civilizar o Brasil e abrir a Avenida Rio Branco, um boulevard de sonhos. Ó, música de sonho, música de sonho. Aquela que você já ouviu que quando as pessoas cruzavam umas com as outras diziam: viva la France, viva la France. E na qual o povo não podia ir, porque para andar na Avenida tinha que estar vestido à Rigor! É verdade, vai lá ver o episódio do Morro da Providência. Aí esses caras foram todos jogados pro morro da providência.
E aconteceu ainda antes disso, a guerra de Canudos, quando os caras foram mandados lá para massacrar um monte de miserável em troca de receber uma casa na volta. Voltaram não receberam a casa e aí foram morar nos casebres do Morro da Providência, que já tinha começado com os remanescentes do Cortiço Cabeça de porco.”

O avanço das favelas – Eduardo Bueno
Peninha (Eduardo Bueno)

Assim, nesse mesmo período do começo do século XX, aconteceu também a abertura do Teatro Municipal, que era inspirado na Belle époque francesa.
Bem, virada de século é sempre uma coisa emblemática para a gente, revoluções acontecendo, revoluções tecnológicas, revoluções nas formas de ser estar no mundo. A humanidade nunca é linear e sempre tem problemas em qualquer momento da história.
Enquanto o Villa tava aqui tentando criar uma espécie de romantismo tardio à brasileira com influências folclóricas e com influências dos nossos povos daqui e dos seus agregados (ou algozes), fora do Brasil o que tava rolando mesmo nos bailão era Debussy e Stravinsky, chocando a galera com o rompimento de paradigmas.

Coco Chanel & Igor Stravinsky(France, Jan Kounen, 2009)

Contribuições para o violão

Quanto ao nosso instrumento, uma das coisas mais importantes do Villa a respeito do violão é que ele abriu as portas das grandes salas de concerto para o instrumento. Além disso ele também foi um compositor que sempre fez questão de frequentar outros círculos musicais, como as rodas de choro, porque ele era um Chorão também, ele gostava de estar na roda de choro com pessoal da música popular. Então era realmente um cara que transitava entre os dois universos.

Em 1920 ele compõe o Choros no1 que foi uma homenagem ao Ernesto Nazareth. Até hoje o Villa provoca a gente a pensar o que a música Brasileira ou o que é uma narrativa ou uma poética de uma possível música Brasileira. Para o violão e para a canção ele influenciou uma série de pessoas, ritmos e gêneros musicais que vieram depois, como o samba a bossa nova e boa parte do que veio depois disso, que nós ouvimos e que nos influencia de alguma forma ainda até hoje. Gente como Raphael Rabello o Garoto (Aníbal Augusto Sardinha) e Tom Jobim por exemplo.

Seus estudos e suas obras são muito importantes para o repertório violonístico mundial como o Choro no1 (que já falei aqui) os 12 estudos (famosos doze estudos do Villa-Lobos), Os cinco prelúdios, a Suíte popular Brasileira. O maestro tem uma relação muito forte com a música não só enquanto compositor, mas
também enquanto educador musical no Brasil.

Qual sua relação com a educação musical no Brasil?

Depois de trabalhar no estado de São Paulo em 1932, o Villa foi oficialmente convidado pelo Anísio Teixeira para reorganizar o ensino de música e de canto coral nas escolas do Rio de Janeiro. Ele passou a dirigir o serviço de música e canto orfeônico, que em setembro do ano seguinte foi transformado em: Superintendência de educação musical e artística (SEMA).

Em 1937 veio a ditadura do estado novo do Getúlio Vargas, e o Villa tinha um apoio do governo. As concentrações orfeônicas do compositor em 1932, sob a chancela do prefeito do Distrito Federal, chegaram a reunir cerca de 40.000 crianças e músicos de banda para cantar sobre a sua regência. Em 1942 ele fundou o Conservatório nacional de canto orfeônico, que tinha quatro objetivos principais, que eram:

  1. formar candidatos ao magistério orfeônico nas escolas primárias e secundárias;
  2. estudar e elaborar diretrizes para o ensino de canto orfeônico no Brasil;
  3. promover trabalhos de musicologia;
  4. realizar gravações de discos e, portanto, fomentar uma cena;

Quais as polêmicas que envolvem seu nome?

A proximidade do governo do Getúlio Vargas com Villa rende discussões à respeito do flerte dele com o nacionalismo até hoje né, não só discussões mas memes também. O Villa era um mano eclético, que gostava de Bach, gostava dos compositores de orquestra e de música de concerto, mas que também convivia com a rapaziada do choro, com pessoal da música mais popular.
Uma outra curiosidade sobre o Villa é que ele foi vaiado na semana de 1922, a semana de arte Moderna de 1922, que aconteceu pouco mais de 100 anos atrás. O seu trabalho ecoou melhor fora do Brasil e até hoje repercute melhor fora do que aqui.

O fim da vida

Eu acredito que poucos brasileiros sabem quem foi o Heitor Villa-Lobos, que também ficou impopular entre o pessoal da vanguarda da época, que já estava numa pira de serialismo. Ele morreu em 17/11/1959 vítima de câncer, e não teve filhos. Mas uma coisa engraçada sobre o pianista, e que eu descobri só quando fui fazer o roteiro desse vídeo, é que o dado Villa-Lobos (aquele guitarrista de rock da banda Legião Urbana) é sobrinho neto dele. Até então pra mim sempre tinha sido só uma coincidência de nomes, e não um laço sanguíneo. Outros nomes da época que estavam ali na mesma cena com o Villa-Lobos e que valem a pena você pesquisar sobre ouvir é o já mencionado Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros, Zequinha de Abreu, Chiquinha Gonzaga, João Pernambuco, Agustín Barrios, Quincas Laranjeiras e vários outros.

Pra fechar

O que eu pessoalmente acho do nosso maestro? Bom o que eu pessoalmente acho tanto faz. Eu sou só mais um. Mas eu gosto de provocar você que está assistindo aí querendo aprender música a pensar, e eu gosto de fazer perguntas que nunca vão ter uma resposta fácil, mas que podem fazer a gente pensar:

  • O que é o Brasil que que significa ser brasileiro hoje?
  • Você sabia que brasileiro significa o profissional que extrai o Pau-Brasil? Ou seja, é o nome de uma profissão e não exatamente de um cidadão. Por que isso? Será que isso tem a ver com o sentimento que a gente tem de menoridade em relação aos outros países?
  • Como é que a gente pode pensar e discutir, à luz da música, essa relação entre esses choques de cultura? A cultura nacional em interação com a cultura de outros lugares do mundo?
  • Como que a gente pode pensar no soft power dessas culturas, como a marcha que aconteceu contra a guitarra elétrica nos anos 60, da qual gente como o Gilberto Gil tava presente. Faz ou fez sentido isso na época ou hoje em dia? Como analisar e pensar o soft power que representa o K-pop por exemplo, Hollywood, ou ainda a guitarra rock e o Rock and Roll no contexto do século XX? Em termos de geopolítica e música, o que que foi a guitarra elétrica para os Estados Unidos naquele contexto?
  • Desde a semana de 22, passando pela revolução cultural dos anos 60, o conservadorismo que volta à tona nos últimos anos não só no Brasil mas no mundo até o hip-hop e o funk: como que a gente pode pensar um fio que conecta todas essas coisas?
  • E se pensarmos lá no choro, aquelas manifestações musicais do começo do século XX até as nossas manifestações de hoje que fio que conecta todas essas coisas?
  • E pra fechar aqui: O que que será que teria sido pior, essa pedagogia conteudista e nacionalista baseada no canto orfeônico que poderia talvez ter sido implementada em todas as escolas públicas do Brasil desde os anos 40, ou o desmonte completo que aconteceu nas últimas décadas especialmente no último meio século no Brasil?

E aí, você já conhecia o Villa-Lobos? Deixa seu like e/ou comentário aí porque assim que a gente sobrevive aqui na internet, essa é a nossa moeda de troca. Não custa nada! Além disso, aqui no blog tem um monte de outros conteúdos pra você: fóruns, partituras, aulas de graça, não tem nenhuma desculpa para você não estudar música. Forte abraço!

Vídeo: Quem é esse mano? Heitor Villa-Lobos

Referências

Coco Chanel & Igor Stravinsky(France, Jan Kounen, 2009)
GUIMARÃES, V. A passeata contra a guitarra e a “autêntica” música brasileira. In: RODRIGUES,
CC., LUCA, TR., and GUIMARÃES, V., orgs. Identidades brasileiras: composições e recomposições
[online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014, pp. 145-173.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Heitor_Villa-Lobos#cite_note-5
https://revistapesquisa.fapesp.br/villa-lobos-quase-desconhecido/
https://museuvillalobos.museus.gov.br/perfil-bibliografico
https://www.youtube.com/watch?v=30bviyK7vkM
https://www.youtube.com/watch?v=DADUzGbUrNI&ab_channel=FranzVentura
https://www.youtube.com/watch?v=9fx9p-tvD0s&ab_channel=BuenasIdeias
https://www.youtube.com/watch?v=ye-Ymqnl2lA&ab_channel=BuenasIdeias
https://www.youtube.com/watch?v=iWU_V07Nt3E&t=0s
https://pt.wikipedia.org/wiki/Choros_N.%C2%BA_1
https://musicalics.com/en/node/82429
https://pt.wikipedia.org/wiki/Dado_Villa-Lobos
https://www.amazon.com.br/corti%C3%A7o-Alu%C3%ADsio-Azevedo/dp/8594318839
http://www.unirio.br/cla/ivl/historio-do-instituto-villa-lobos

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